Algo está claramente errado no sistema alimentar europeu. Entre 2003 e 2013, uma em quatro fazendas desapareceu na União Europeia, totalizando mais de quatro milhões de propriedades rurais extintas. A concentração agrícola disparou, com um aumento de 38% da área média das fazendas da UE: de 11,7 hectares em 2003, para 16,1 hectares em 2013. A mão de obra rural sofreu uma queda de 30%, ao passo que cerca de 70% dos pagamentos diretos da Política Agrícola Comum vão para apenas 20% dos produtores rurais. Os níveis de desperdício alimentar são descomunais, com cerca de 100 milhões de toneladas de alimentos desperdiçados anualmente na UE. O mercado agrícola continua em retração em meio a uma crise cada vez mais séria. Essa lista poderia continuar indefinidamente.
Isso é principalmente resultado de diferentes políticas, em grande parte desenvolvidas isoladamente: agricultura, segurança alimentar e saúde pública, comércio, proteção ambiental, clima e energia, coesão econômica e social, desenvolvimento rural e desenvolvimento internacional, emprego e educação… Além disso, políticas em vários níveis de governança (da UE ao nível municipal) também são desconectadas umas das outras.
Nossos sistemas políticos e os atuais ordenamentos não estão preparados para enfrentar crises. Políticas relacionadas ao alimento são subprodutos de acordos políticos realizados em diversas esferas, baseados em interesses conflitantes. A falta de uma política alimentar coerente, abrangendo diversos setores e articulando diferentes níveis de governança, significa que a coerência é extremamente fraca e a responsabilidade é altamente dispersa.
Isto é um problema, mas também uma grande oportunidade. O alimento é um ponto de partida para a elaboração mais coesa de políticas em diversos setores e níveis de governança. Também é um ponto de partida promissor para corrigir déficits democráticos e reconectar os cidadãos europeus com as medidas políticas implementadas por seus representantes eleitos.
O Painel Internacional de Especialistas em Sistemas Alimentares (IPES), presidido por Olivier De Schutter (antigo Relator Especial das Nações Unidas sobre o Direito à Alimentação) e Olivia Yambi (nutricionista e antiga representante da UNICEF no Quênia), está lançando um processo triplo de deliberação, pesquisa e envolvimento dos cidadãos, para desenvolver uma visão da “Política Alimentar Comum” na UE. De 2016 a 2018, o IPES-Food convocará um grupo de atores científicos, representantes da sociedade civil e institucionais para uma série de mesas redondas ou “oficinas de políticas”. O processo culminará numa série de resumos de políticas, que conduzirão a um relatório final. O objetivo final é o desenvolvimento conjunto de uma visão da Política Alimentar Comum, com recomendações especiais sobre instrumentos políticos e reforma de governança, para que seja considerada como alternativa ao quadro político atual da UE.
Nesse processo, o Slow Food fará parceria com o IPES-Food, o Grupo de Sistemas Alimentares Sustentáveis (SFSG) do Parlamento Europeu, Arc2020, Cátedra UNESCO em Sistemas Alimentares Mundiais (Montpellier SupAgro), Agência Europeia do Ambiente (AEA) e Aliança Europeia para a Saúde Pública (EPHA).