“É uma honra que nosso trabalho e nossa rede sejam reconhecidos pelo Food Tank. Graças aos produtores, cozinheiros, ativistas, pesquisadores e a todos da rede ao redor do mundo. Nós vamos continuar protegendo a cultura alimentar, a biodiversidade dos povos indígenas e promovendo o alimento bom, limpo e justo para todos”, disse Dai Kitabayashi, representante do Oeste Asiático no conselho do Terra Madre Indígena.
Nós no Slow Food Internacional, compartilhamos do mesmo sentimento e celebramos o incrível trabalho que a rede do Terra Madre Indígena tem feito nos últimos anos para salvaguardar as tradições dos povos indígenas e proteger seus direitos a terra, água, sementes e sua soberania alimentar.
“Esse reconhecimento é resultado de um esforço entre membros do conselho, escritório Internacional e, claro, de todas as comunidades indígenas da nossa rede. É um reconhecimento para todos os povos indígenas que a partir de suas redes estão defendendo suas terras, sementes e direito por uma comida boa, limpa e justa”, disse Dalí Nolasco Cruz, representante da América Latina e Caribe no Conselho Terra Madre Indígena.
Desde sua criação, o objetivo da rede Terra Madre Indígena é levantar a voz dos povos indígenas nas discussões sobre comida e cultura, institucionalizar a participação dos povos indígenas no movimento Slow Food e em seus projetos, assim como desenvolver as redes de maneira local e mundial. A rede indígena tem trabalhado no mundo todo na conscientização sobre os desafios enfrentados pelas comunidades, consolidando uma rede forte para lutar contra as injustiças e a descriminação históricas, mas também para se conectar, trocar conhecimento, celebrar a singularidade dessas culturas e inspirar os jovens com alegria.
“É importante promover e proteger nossa sagrada população, nossa herança alimentar e aumentar a conscientização sobre a importância que tem a comida na nossa saúde, principalmente nesse momento. Nós criamos uma parceria com o Food Tank e temos discursado em eventos como o Food Tank Summit, o Indigenous Foodways, sobre a Soberania das Sementes Indígenas, entre outros” disse Denisa Livingston, conselheira do Slow Food Internacional para a rede Indígena do Norte Global.

Diversos aliados, como o IFAD, o Christensen Fund, o Tamalpais, entre outros, tem orientado e apoiado essa rede desde sua criação. Hoje, esse reconhecimento acende uma luz sobre a importância desse trabalho e do futuro dos povos indígenas. Abaixo você confere a entrevista que fizemos com os membros conselheiros do Terra Madre Indígena sobre o que está por vir para a rede, os projetos e iniciativas e os esforços para o futuro.
Quais são os próximos passos da rede? No que vocês estão trabalhando agora?
Dalí: Nós temos um plano de ação com objetivos muito claros a nível global e local, com a participação ativa de líderes jovens que são nossos substitutos e essenciais para continuar nossa visão de mundo e conhecimento. Continuamos a treinar membros, procurar por alianças com organizações nacionais e internacionais para apoiar o trabalho local que cada comunidade está promovendo; além de acrescentar mais comunidades na nossa rede e no nosso movimento.
Melissa: Revitalizar nossas rotas tradicionais para trocas dos alimentos indígenas entre as regiões. Revigorar nossa economia sustentável através do comércio recíproco e suporte mútuo. Retornar para os métodos tradicionais de preservação dos alimentos para armazena-los e compartilha-los ao longo do tempo. E também, achar jeitos de melhor proteger, legalmente, nossas sagradas comidas que estão sendo ameaçadas pela engenharia genética e por outros impactos negativos. Melissa K. Nelson norte-americana, representante do Conselho Terra Madre Indígena.
Dai: Nessa pandemia, a auto-sustentabilidade em termos de alimentos é um dos tópicos mais importantes. As gerações mais jovens tem estado longe da terra e não sabem como cultivar alimentos e cozinha-los para fazer pratos tradicionais da nossa cultura. Então, agora, estamos focados em educação alimentar para nossos jovens. Herdar nossa sabedoria e conhecimento é a maior prioridade.

Quais são alguns dos desafios que os povos indígenas encaram hoje em dia?
Joel: As leis impostas para eles por seus governantes. Algumas dessas leis contradizem a relação desses povos com sua terra e recursos naturais. Em muitos casos, substituindo-os em nome do desenvolvimento para o progresso. Joel Symo da região da Melanésia, representante do Conselho Terra Madre Indígena.
Melissa: Concordo com os comentários do Joel acima e acrescento outros desafios importantes que percebo para os Povo Nativos Americanos na América do Norte (também chamada pelos povos nativos de “Turtle Island”): 1) acesso a alimentos ancestrais que hoje estão trancados em terras privadas ou áreas protegidas e parques, portanto, estão fora dos limites para encontros tradicionais; 2) engenharia genética de alimentos; 3) mercantilização e comercialização de certos alimentos nativos sem prévia autorização e livre consentimento por parte dos povos indígenas, que são os guardiões desses alimentos; 4) desequilíbrio ecológico, mudança climática, novas doenças estão impactando negativamente a saúde e abundância dos nossos alimentos tradicionais; 5) acesso aos detentores do conhecimento que retêm e podem compartilhar o conhecimento de como coletar, cultivar, processar e festejar certos alimentos tradicionais.
Denisa: Muitos dos povos indígenas são cidadãos muito vulneráveis e de alto risco, com problemas de saúde pré-existentes, como doenças cardíacas e diabetes. Como vemos, existe uma extrema necessidade de abordar a insegurança alimentar, o acesso a alimentos saudáveis, água potável limpa e a necessidade de recuperar nossas práticas ancestrais de tradicionalismo alimentar, especialmente quando se trata da pandemia COVID-19. Se nós não priorizarmos essas preocupações, os resultados podem ser devastadores.

Por que é importante, nesse momento da história, trabalhar com os povos indígenas?
Melissa: É um esforço sobre justiça histórica e trabalhar na reconciliação entre indígenas e os colonizadores. Houveram muitos traumas e impactos brutais nos povos indígenas por causa da colonização. Está na hora de se curar desse legado de violência e transformar essas relações em mais respeitosas e balanceadas, onde os Povos Indígenas podem exercer sua soberania verdadeiramente. Além disso, os povos indígenas são o único povo a demonstrar, ao longo de milénios, uma vida sustentável. Portanto, as sociedades de colonos podem servir e aprender com o conhecimento ecológico tradicional dos povos indígenas para criar um futuro mais justo e de mais resiliência.
Anneli: As mudanças climáticas estão estabelecendo requisitos para um plano de ação futuro e um diálogo sobre oportunidades de adaptação. Os povos indígenas não criaram essas mudanças climáticas, mas nós somos os mais afetados. No nosso caso, pensando no povo Sami, as mudanças climáticas estão afetando os proprietários de renas e a existência de criação e cultura das renas Sami está ameaçada no futuro. Portanto, uma ação urgente é necessária agora. Anneli Jonsson, representante europeia no conselho do Terra Madre Indígena.

Como podemos começar a formar um sistema alimentar mais justo e inclusivo para todos?
Dai: É importante que o mundo se conscientize sobre como os povos indígenas são sacrificados por esse sistema de produção e consumo massivo e sobre o sistema de desuso em massa, não apenas na sociedade moderna, mas também historicamente.
Denisa: É necessário que continuemos apoiando as oportunidades que conscientizam sobre a importância da soberania alimentar indígena, negócios alimentares locais e jovens líderes indígenas, assim como os mais velhos, e todos que desempenham um papel em nossa sobrevivência, resiliência e adaptabilidade. Não podemos apenas nos contentar em passar pela pandemia de Covid-19, temos que crescer por conta dela.
Obrigado aos representantes do Conselho Terra Madre Indígena pelas suas palavras e pelo trabalho contínuo por essa rede.