Ao norte do equador, a primavera está chegando e, como todo ano no início da primavera, lembramo-nos de um livro, chamado justamente Primavera silenciosa, um texto fundamental escrito por Rachel Carson no começo da década de 60. Nesse livro, que levou quatro anos de trabalho, Rachel Carson advertiu sobre o impacto dos pesticidas em agricultura sobre o meio ambiente e a saúde humana. Entre eles, o DDT, produzido pela Monsanto e utilizado para defender contra o mosquito Anopheles, responsável pela transmissão da malária. Inicialmente, acreditava-se que o DDT fosse inócuo e seguro para a saúde humana, tanto é que seu inventor, o químico suíço Paul Hermann Müller, em 1948, recebeu o prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina. Se chegou-se a proibir o uso do DDT nos Estados Unidos (em 1972) e, depois, também em outros países, foi também graças ao livro de Raquel Carson, que teve a coragem de afirmar suas opiniões e de levar adiante suas pesquisas, apesar da violenta campanha promovida pela indústria química, liderada principalmente pela Monsanto, Velsicol e American Cyanamid, e apoiada pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos
Lembrar esse acontecimento, hoje, faz mais sentido, pois a história parece se repetir, como um disco quebrado, embora com nomes diferentes, ao menos em parte. A Monsanto não produz mais o DDT, mas no setor agrícola comercializa ainda o RoundUp, o herbicida total – isto é não seletivo – mais utilizado em escala mundial. Na “receita” do RoundUp há um composto químico, o glifosato, que desde 2001 – quando venceu a sua patente de produção que era propriedade da Monsanto – é utilizado também por outras empresas. Como para o DDT do passado, levantou-se um debate acirrado sobre a sua suposta inocuidade.
Em março do ano passado, a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer classificou o glifosato entre os prováveis cancerígenos. A pesquisa provocou grande sensação, ainda mais por não levar a assinatura de um único estudioso – como podia ser a Rachel Carson nos anos 70 ou, mais recentemente, Gilles-Éric Séralini, cujas pesquisas foram também objeto de críticas ferozes – mas da maior autoridade mundial no setor da pesquisa oncológica que contou com uma equipe de trabalho composto por 17 especialistas, e que foi publicada pela conceituada revista The Lancet Oncology. A resposta da Monsanto – que continua insistindo sobre a segurança do glifosato – não se fez esperar e, recentemente, outras agências apoiaram a tese de sua inocuidade. Como, por exemplo, a EFSA, a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimento que, em sua avaliação, não levou em conta as conclusões da IARC.
Tudo isso é o passado, mais ou menos recente. Mas há importantes passos, presentes e futuros, que devem ser levados em conta.
No dia 21 de janeiro, os membros da Comissão de Meio Ambiente do Parlamento pediram à Comissão Europeia que fossem rejeitadas novas autorizações para a importação de três tipos de soja transgênica, destinada principalmente ao consumo animal, manifestando a sua preocupação pela resistência ao glifosato e pelo processo de autorização. A resolução foi votada na plenária, no dia 3 de fevereiro, quando, com mais de 400 votos favoráveis, o Parlamento reafirmou o seu NÃO aos transgênicos. A Comissão Europeia continua querendo autorizar os OGMs que apresentam um possível risco para a saúde e o meio ambiente, segundo também destacou a OMS, mas embora o Comissário Andriukatis utilize a falta de dados suficientes para determinar a sua periculosidade, deveria ser justamente a falta de certeza científica a levar a Comissão a proibir o seu uso, e não a favorecer a sua difusão.
De 20 a 30 de março será realizada a Pesticide Action Week, a semana sem pesticidas, cuja mobilização, este ano, será focalizada sobre o impacto dos pesticidas para a saúde humana, e sobre a necessidade de soluções alternativas, por uma agricultura mais atenta ao meio ambiente e menos perigosa para a nossa saúde.
Nos próximos meses, a Comissão Europeia e os Estados-membros deverão dar seu parecer sobre o uso do glifosato na União europeia, renovando a autorização antes do dia 30 de junho – data de vencimento da atual autorização – sem esperar a publicação de outro parecer abalizado, o da Agência Química Europeia, prevista para 2017.
A questão está ainda pendente. E, como anos atrás, os opositores são aqueles que invocam a volta a uma agricultura limpa e as multinacionais da química.