Do Brasil: o Sateré-Mawé waranà Slow Food Presidium

O povo Sateré-Mawé vive perto das nascentes dos rios Andirá e Marau, na floresta amazônica do Brasil. O vínculo que compartilham com suas terras é tão forte que a própria constituição brasileira protege seu direito de morar aqui, neste recanto da floresta tropical. É aqui que o povo Sateré-Mawé cultiva Waraná, em sua língua materna, que significa “O início de todo o conhecimento”, um cipó silvestre de 12 metros de altura que dá brotos que se tornam produtivos depois de transplantados para uma clareira. Suas sementes são utilizadas para a fabricação de diversos produtos, como uma espécie de “palito de pão” (assim chamado porque sua forma lembra a de um pão) e uma bebida sagrada (o Çapó).

© Archivio Slow Food

Nos últimos três anos, como comunidades Sateré do baixo Marau e baixo Urupadi, Slow Food, IFAD e o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas (IFAM) tem desenvolvido um projeto focado nos jovens Sateré-Mawé e no fortalecimento da produção de alimentos agroecológicos.

Um dos grandes logros deste projeto é a inclusão dos produtores Sateré-Mawé no edital dedicado à Alimentação Escolar, que vem entregando alimentos da biodiversidade e da cultura Sateré-Mawé para aproximadamente 2000 crianças de 50 escolas da região, e ao mesmo tempo, vai incrementar as rendas de 26 agricultores Sateré-Mawé. O edital foi fruto de uma articulação com diversas instituições locais (como o IFAM, o Centro de Trabalho Indigenista – CTI). A parceria entre Slow Food e IFAM (que mantém um curso técnico integrado em Agroecologia na Terra Indígena Andirá Marau) vem permitindo desenvolver atividades práticas como os sistemas agroflorestais, a criação animal e o envolvimento dos jovens no desenvolvimento de políticas públicas.

Por causa da Covid-19, não foi possível dialogar amplamente com toda a comunidade (que ainda se encontra em auto-isolamento), porém realizamos uma entrevista e refletimos sobre o trabalho realizado com o Tuchaua (autoridade local) Sateré-Mawé, Josibias Alencar, e com Facilitador Slow Food do Projeto, José Guedes, em um dos poucos momentos de acesso ao telefone do Tuchaua na cidade de Maués, Amazonas.

Como era a comunidade há 10 ou 20 anos?

Tuxaua: a nossa Comunidade foi fundada em 2000, daí viemos construindo e desenvolvendo. Mas antes da parceria com o Slow Food e outras instituições. Muito obrigado! não tínhamos as oportunidades que temos hoje sobre o aproveitamento sustentável de todas as riquezas naturais e usufruto saudável de todas as fontes de alimentos que temos na nossa comunidade, quanto à soberania e segurança alimentar.

Uma anedota engraçada que aconteceu durante uma atividade do projeto?

Há várias histórias engraçadas que ocorreram ao longo do projeto. Uma que chamou minha atenção foi que um jovem indígena, que não falava e compreendia muito bem a língua portuguesa, me perguntou o que era esse tal de “Slow Food”. Foi interessante porque estávamos na implantação de uma agrofloresta (que precisa de muito trabalho e esforço), e ele era um dos que mais trabalhava, descalço. Ou seja, ele estava no mutirão do Slow Food, não sabia muito bem o que era, mas estava trabalhando do jeito que dava. Nesse dia o grupo apelidou ele de Toiró, que significa “vamos” em Sateré.

Qual a atividade que teve mais relevância no processo?

Penso que a criação do primeiro edital para alimentação escolar indígena em Maués foi a atividade mais relevante do projeto. Por meio desta, os produtores e produtoras indígenas Sateré-Mawé entregarão 103.000 reais (approx 24.000 usd) de alimentos para 50 escolas em suas comunidades. Dessa maneira, 2000 alunos terão uma melhor alimentação e os produtores indígenas terão renda. O estímulo à produção tradicional e biodiversa é importante para o fortalecimento da segurança e soberania alimentar e nutricional local.

Qual é a mudança ou mudanças mais importantes para a comunidade que este projeto trouxe?

A mudança que este projeto trouxe neste processo está relacionado ao modo como aconteceram o projeto e o desenlace com a vitória do edital público. De fato, o processo de envolvimento e empoderamento dos estudantes do curso técnico de agroecologia, dos produtores e produtoras indígenas locais, assim como das lideranças foi muito importante para o governo local compreender e a política de alimentação escolar virasse realidade. Este processo foi fundamental e gerou uma mudança positiva.

Em tempos de Covid-19 também precisamos falar que são muito importantes as quatro agroflorestas implantadas e os dez galinheiros criados. De fato, num período de insegurança alimentar (dificuldade de abastecimento) 25 famílias têm tido possibilidade de produzir e intercambiar alimentos. Como falou o Tuxaua: estamos contribuindo para a soberania alimentar da comunidade.

Como você acha que a comunidade seguirá adiante daqui para frente?

Este projeto veio se somar a uma trajetória que as comunidades já vinham traçando, em que o desenvolvimento de projetos locais era uma etapa importante. A atuação local no desenvolvimento de políticas públicas municipais e até estadual, o fortalecimento dos processos educacionais locais e das cadeias produtivas do povo Sateré-Mawé poderão ser importantes desafios futuros. Considerando o nível de proatividade e interesse da comunidade é possível que estas metas sejam alcançadas.

A Covid-19 impactou as atividades deste projeto e qual foi a resposta?

Com certeza houve um impacto na sequência do nosso trabalho. Este projeto permitiu que aprovássemos mais dois projetos focados na soberania alimentar do povo Sateré-Mawé, um do PNUD (United Nations Development Programme) e outro com a Embaixada da Suíça no Brasil. Porém, com a interrupção de viagens, das aulas escolares e tudo o mais que ocorreu, nossos projetos precisaram parar e nós precisamos reavaliar sua sequência Assim, algumas atividades presenciais foram canceladas. Uma importante atividade era a formação da Comunidade Slow Food local dos jovens, por meio de oficinas presenciais e não será possível deste modo, mas, assim que for possível, vamos retomar as atividades.

Como você e a comunidade com quem trabalhou se sente hoje na rede Slow Food? O que você gostaria que fizéssemos juntos no futuro?

Tuxaua: nesta parte do rio não conhecíamos o Slow Food. Nos sentimos muito agradecidos pelos resultados positivos alcançados, podemos desfrutar hoje da soberania alimentar e do desenvolvimento sustentável que nos proporciona mais qualidade de vida para as famílias da comunidade.

José: enquanto facilitador do Slow Food no Amazonas, eu me sinto parte do movimento e busco atuar ativamente. A meu ver, a comunidade, após este processo, consegue compreender melhor o que é o Slow Food e sua rede nacional e internacional. De todo modo, precisam de uma continuidade e mais vivências na rede nacional e compreender melhor o que acontece internacionalmente. Este engajamento global é um desafio, pois necessita uma conexão com a internet para acompanhamento dos assuntos, o que é uma dificuldade local, além de questões de língua, uma vez que as reuniões são em inglês ou espanhol. Espero que novos projetos sejam firmados com a comunidade e os trabalhos continuem, pois há boas ideias no local a serem desenvolvidas em conexão com o Slow Food.

Como você imagina a comunidade daqui a 10 anos?

Tuxaua: eu imagino uma comunidade autônoma em todos os sentidos: na sua organização social, na questão da segurança e da soberania alimentar. Imagino ela fortalecida culturalmente, socialmente e economicamente. Vejo e imagino que a cultura vai mudando, sim, mas nós temos uma comunidade como falei antes e conseguir avançar no reconhecimento e fortalecida numa luta do movimento indígena e dos povos que lutam por questões para melhorar a qualidade de vida das pessoas e das sociedades. Vamos nos organizar para consegui-lo e obter cada dia resultados positivos!

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