Quatro receitas e uma missão: alimentos para mudança
23 Out 2020
Agrossilvicultura, agricultura regenerativa, soberania alimentar, conhecimentos tradicionais, ingredientes indígenas e técnicas de pesca sustentável são alguns dos temas que influenciam, cada vez mais, os cardápios do mundo inteiro.
Hoje em dia, os cozinheiros mergulham cada vez mais profundamente no impacto de suas escolhas, tomando decisões social e ambientalmente responsáveis para seus cardápios, de acordo com a missão da Aliança de Cozinheiros há mais de uma década.
Defendendo os mesmos princípios, a campanha Food for Change, em parceria com a Relais & Chateaux, comemorou seu terceiro ano com duzentos chefs que participam do desafio “Um Chef, Um Ingrediente”, com produtos da Arca do Gosto para conscientizar sobre a importância de defender a biodiversidade e combater a mudança climática com nossos garfos.
Quatro chefs da Relais & Châteaux, de diferentes regiões do mundo, compartilharam suas ideias no Instagram, numa live com o ativista da alimentação e educador Charles Michel, ensinando novas técnicas para usar ingredientes exclusivos de seus ecossistemas.
Havaí e Ulu
Kuleana – a palavra havaiana para “um senso de responsabilidade pessoal” representa a base do trabalho de Krista Garcia, chef do Hotel Wailea, que sempre procura e defende ingredientes sazonais cultivados localmente. Krista estudou a importância do ‘ulu’, ou fruta-pão, nas ilhas do Havaí.
Krista explica: “O Ulu é um dos cultivos principais que podem trazer a soberania alimentar para a comunidade havaiana. A árvore é fundamental para a biodiversidade da agrofloresta, por ser considerada a planta mais antiga, proporcionando sombra para outros cultivos. Além disso, seu valor espiritual está ligado ao legado cultural havaiano, é uma planta sagrada e, por meio dela, nos conectamos com o divino”.
O sabor peculiar do Ulu e a evolução de sua textura à medida que amadurece permitem inúmeros usos: como fruta verde dura é perfeita para um prato gratinado como este; ou como polpa macia e madura, com a consistência de um creme.
Ulu gratinado
454 g de ulu firme cortado com uma mandolina em fatias de 3 mm
225 g de erva-doce cortada com uma mandolina em fatias de 3 mm
250 g de cebola doce cortada com uma mandolina em fatias de 3 mm
8 dentes de alho, cortados fininhos
400 ml de leite de coco
5 g de sal marinho
- Pincele o interior de uma assadeira retangular (aprox..23,5 x 33,5 cm) com óleo de coco ou manteiga. Coloque as verduras em camadas, polvilhe com sal marinho e cubra com leite de coco.
- Asse em forno a 375°F (195°C) até que o leite de coco se reduza e as verduras fiquem macias e douradas. Finalize com a função grill do forno, durante um minuto.
Argentina e Amaranto
O amaranto, um dos cultivos mais antigos do mundo, é um dos ingredientes favoritos do chef Pedro Bargero e uma forma de conectar os consumidores de seu restaurante Chila com os produtores da alta Cordilheira dos Andes que cultivam e preservam esse grão nutritivo.
Segundo Pedro, “Como cozinheiros, somos um elo de ligação, podemos ajudar a provocar mudanças com uma alimentação e um cardápio mais diversificado, mostrando a vida dos produtores. Afinal, eles são os guardiões da terra e da biodiversidade”.
O amaranto foi ofuscado pela quinoa, especialmente depois do “Ano Internacional da Quinoa” promovido pela FAO em 2013. No entanto, o amaranto é tão nutritivo quanto a quinoa e igualmente versátil, como sugere Pedro, podendo ser preparado como risoto, usado como farinha para alfajores ou outros produtos de panificação, ou ainda como pipoca.
Alho-poró com iogurte e crosta de pipoca de amaranto
- Para fazer pipoca de amaranto, coloque os grãos numa panela quente, cubra com uma tampa e agite levemente, até que as sementes de amaranto comecem a estourar.
- Para esse prato, Pedro cozinha 8 alhos-porós jovens em 250ml de soro de leite salgado durante 25 minutos para que fiquem com consistência cremosa. Depois, são grelhados em fogo de carvão e mergulhados na pipoca de amaranto.
- É servido com uma quenelle de iogurte e rabanete em conserva e regado com óleo de alho-poró – preparado branqueando 50 g das folhas escuras da parte superior do alho-poró. Depois de frias, são misturadas com 100ml de óleo suave, que, por fim, é coado.
Japão e Shottsuru
Técnicas de pesca sustentáveis, acidificação dos oceanos e o equilíbrio do ecossistema: o chef Shinobu Namae, do restaurante, defende o uso do Shottsuru, um molho de peixe tradicional fermentado, preparado alternando camadas de sal e hatahata (peixe-areia japonês), para conscientizar sobre os problemas cada vez mais graves dos nossos oceanos.
Como outros peixes, o hatahata foi pescado em excesso nos anos 80, quase até a extinção. Depois de uma suspensão da pesca para restabelecer níveis normais da população deste peixe, como explica o chef Namae-san, agora a acidificação e o aquecimento dos oceanos voltam a ameaçar a sobrevivência do hatahata e o cultivo de algas marinhas, tão comum na gastronomia japonesa.
“No Japão, as algas fazem parte da nossa alimentação, mas com o aumento da temperatura dos oceanos, aos poucos o ecossistema está morrendo, prejudicando os habitats para a desova e os locais de reprodução dos peixes, assim, o hatahata está em risco, como a tradição de preparar shottsuru, além da biodiversidade das algas que comemos”, informa Namae-san.
O chefe Shinobu Namae desenvolveu uma relação próxima com seu produtor de shottsuru para apoiar a produção desse molho de peixe fermentado ancestral e o ecossistema que o originou.
Baixe a receita completa do Sashimi de Bonito com Shottsuru.
Itália e Abóbora Marina de Chioggia
A cor verde e o aspecto peculiar da casca da Abóbora Marina de Chioggia, uma variedade antiga de abóbora de outono, contrasta com a polpa cor de laranja intensa, complexa e mineral.
O chef Massimiliano Alajmo, do restaurante Le Calandre, explica que a “Suca Baruca” – o nome original desta abóbora – era muito comum no século XVIII, no vilarejo de pescadores de Chioggia, perto de Veneza, onde era consumida como comida de rua. Massimiliano resgata as tradições alimentares e o respeito pelos ingredientes. Na verdade, o próprio passar do tempo é um ingrediente importante, já que as tradições e a nostalgia evoluem ao longo das gerações. Segundo Alajmo: “às vezes, é melhor não falar, mas sentir”. A filosofia de Alajmo é escutar o ingrediente, deixar que ele conte a sua verdade, interpretando o produto para deixar que o trabalho do agricultor e da natureza possam brilhar.
Para esta receita, o chef assa a abóbora e as sementes para incorporá-las ao risoto, apresentando esse ingrediente humilde, pois ele acredita que a arte de cozinhar não é uma questão de firulas.
ABÓBORA MARINA DE CHIOGGIA E RISOTO DE CANELA
Serve 4 pessoas
1 kg de abobora marina de Chioggia
320 g de arroz variedade Carnaroli
12 g azeite extra virgem de oliva
70 g de vinho branco seco
1 pitada de sal
15 g de cebola branca picada
40 sementes de abóbora
2 l de caldo vegetal ou de galinha
60 g de manteiga
80 g de queijo parmesão ralado
5 g suco de limão fresco
1 pitada de canela em pó
- Descasque e corte a abóbora em pedaços de 4 cm de espessura. Asse os pedaços e as sementes no forno a 180°C durante 50 minutos.
- Refogue o arroz com o azeite numa panela larga, em fogo médio-alto, adicione vinho branco e deixe evaporar. Adicione cerca de 160 gramas de abóbora assada, cebola, 24 sementes de abóbora e uma pitada de sal, continue cozinhando e adicionando o caldo quente aos poucos.
- Quando o arroz estiver al dente, acrescente um pouco mais de abóbora assada, adicione a manteiga, o queijo ralado e o suco de limão, e misture.
- Sirva com uma pitada de canela em pó, sementes de abóbora e uma colher cheia de purê de abóbora.
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