O povo Sateré-Mawé recebeu o prêmio “Nobel Verde” da United Earth
08 Mar 2023
O prêmio United Earth Amazônia foi criado pela família Nobel para chamar a atenção da opinião pública sobre a necessidade de unir povos e nações da Terra para construir um futuro coletivo e sustentável. A primeira cerimônia de entrega do prêmio (também conhecido como “Nobel Verde”) aconteceu há alguns dias em Manaus, Amazonas. Uma região que, segundo estimativas da ONU, abriga 90 nações de diferentes povos indígenas, totalizando 476 milhões de pessoas, cada uma com sua língua, sua cultura e suas terras. Cerca de 150 milhões dessas pessoas vivem em sociedades tribais.
Os povos indígenas são os maiores guardiões da biodiversidade mundial, particularmente no contexto brasileiro, onde preservam as partes mais incontaminadas das florestas pluviais do mundo. A defesa de terras indígenas contra atividades ilegais de mineração e extração de madeira na região foi dura e violenta, especialmente nos últimos anos do governo Bolsonaro, quando a pandemia serviu para impulsionar as atividades ilegais de desmatamento e grilagem.
A Amazônia tornou-se símbolo mundial da luta pela defesa da biodiversidade: suas florestas e savanas, com os rios que as atravessam, abrigam mais de 10% das espécies nativas conhecidas no mundo, a maior riqueza de qualquer outro ecossistema, e desempenham papel fundamental na estabilização do clima global, capturando carbono e definindo modelos meteorológicos. No entanto, esse pulmão essencial do planeta, apesar da luta de povos indígenas e ativistas, continua sendo vítima constante de desmatamento, que coloca em risco a biodiversidade de seu bioma, representando uma ameaça global para a sobrevivência da humanidade.
Não é por um acaso que a primeira edição do prêmio United Earth Amazônia tenha sido concedido aos Sateré-Mawé, cuja comunidade (14.000 pessoas distribuídas em aproximadamente 120 aldeias) tem lutado pela sobrevivência cultural e física e para promover sua soberania alimentar numa região de 8.000 quilômetros quadrados ao redor das nascentes dos rios Andirá e Marau.
Apoiar as comunidades indígenas e os seus sistemas alimentares tradicionais significa preservar a biodiversidade do mundo. No caso da Sateré Mawé, Obadias e outros líderes comunitários juntaram-se ao movimento Slow Food em 2002, quando foi articulda a Fortaleza do Waraná Nativo para proteger e valorizar um alimento sagrado com elevado valor cultural.
Na floresta, os Sateré-Mawé coletam as sementes que caem aos pés das plantas de waraná, trepadeiras selvagens de até 12 metros de altura, e as plantam em clareiras, onde se transformam em arbustos cultivados para beneficiamento da fruta. Das sementes, ricas em fósforo, magnésio, potássio, vitaminas e tanino, graças a métodos tradicionais de beneficiamento, os Sateré-Mawé obtêm um extrato que combate o cansaço e estimula as funções cognitivas e a memória. Um suplemento já bem conhecido, muito comercializado também nos países do Norte global. Impulsionada pelos negócios, a indústria agroalimentar começou a impor o uso de variedades obtidas por clonagem a muitos agricultores que produzem fora das terras indígenas.
Para administrar o mercado de forma respeitosa e sustentável, foi criado o Consórcio de Produtores Sateré-Mawé (CPSM) que, por sua vez, faz parte do Conselho Geral da Tribo Sateré-Mawé (CGTSM), o maior órgão de representação política desse povo. O CPSM é responsável pela gestão, controle e comercialização do waraná em bastão (pão de waraná) e em pó, e representa os produtores Sateré-Mawé em eventos nacionais e internacionais, defendendo a causa indígena em diversos contextos políticos.
Um papel essencial na polinização da planta do waraná é desempenhado pela abelha canudo (Scaptotrigona xantothrica), na língua indígena Sateré-Mawé “Awi’a sese”, ou seja, a abelha por excelência, que se tornou Fortaleza Slow Food por sua conexão ecológica com o waraná e o ecossistema, também desempenha um papel fundamental para a polinização da planta. Trata-se de uma abelha muito resistente, que produz um mel extraordinário, com um sabor marcado e selvagem. A conexão dos Sateré-Mawé com essa abelha sem ferrão remonta à época pré-colombiana. Conta uma lenda popular que quando Anumaré Hit subiu ao céu, transformado em sol, convidou a irmã Uniawamoni para ir com ele. A mulher hesitou, mas depois decidiu ficar na terra, transformando-se em abelha para cuidar, com os Sateré-Mawé, das florestas sagradas do waraná. Esse mito transmite o que os antigos Mawé já sabiam e que estamos redescobrindo hoje, ou seja, que as abelhas nativas sem ferrão são responsáveis pela polinização de 80% das espécies vegetais da Amazônia. Sem elas, a floresta desapareceria.
Em 2020, o waraná dos Sateré-Mawé obteve a Denominação de Origem brasileira. “Conseguir a Denominação de Origem significa certificar que o produto, com suas características ligadas a fatores humanos e naturais, apenas existe naquela área geográfica específica”, explicou Maurizio Fraboni, doutor em socioeconomia do desenvolvimento, que há décadas trabalha ao lado dos Sateré-Mawé.
No caso do waraná, porém, há muito mais: a bacia hidrográfica formada pelos caudais dos rios Andirá e Marau é o banco genético natural do guaraná, o único do mundo. Um santuário ecológico e cultural construído ao longo dos séculos”.
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