Marina Santos: Vinhos Naturais Como Forma De Resistência

16 Fev 2022

Uma das principais mensagens do manifesto do slow food para um vinho bom, limpo e justo é que as vinícolas têm um papel a desempenhar na proteção da paisagem, na defesa dos recursos naturais e da biodiversidade. As paisagens nas quais as uvas são cultivadas são tão variadas quanto os próprios vinhos, mas o futuro dessas paisagens é ameaçado tanto pela atividade humana direta quanto pela mudança climática que dela resulta. 

Adiantando a nossa online conferencededicada a esse tema, conversamos com uma das palestrantes, marina santos do rio grande do sul, no brasil, que nos conta o seu trabalho na elaboração de vinhos naturais e na proteção de variedades ameaçadas de extinção naquele que, muitas vezes, é um ambiente hostil. 

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Quais são suas primeiras lembranças quanto ao vinho? 

Eu não nasci em uma região vinícola, nem minha família teve muito contato com o vinho. Minha primeira experiência veio há 17 anos, quando eu tinha 23 anos. Foi quando conheci meu marido Israel. Tres meses após nos conhecermos, mudamos para sua cidade natal, uma pequena cidade chamada Pinto Bandeira, situada em uma região vitivinícola. 

Eu já sentia fascínio pelo campo e pelo mundo da agricultura e das uvas, e me entristecia saber que as uvas não estavam sendo cultivadas de forma limpa; eram usados muitos pesticidas nos campos além de outros produtos químicos sintéticos no processo de vinificação. Comecei então a questionar se havia outra maneira pois eu queria descobrir o verdadeiro sabor do vinho feito sem venenos e sem conservantes químicos. Eu não sabia por onde começar só sabia que essa paixão pelo vinho era muito forte. Tão forte que tomou conta dos meus pensamentos, dos meus dias, e logo abandonei tudo para seguir o meu sonho: fazer um vinho natural. 

O vinho unna no slow wine fair 2022 

Participe naonline conference dedicada à proteção das paisagens vinícolasque ocorrerá no dia 24 de março às 18 horas CET. Em seguida, poderá saborear pessoalmente os vinhos da Vinha Unna em umaMasterclass dedicada ao vinho da América Latinarealizada no dia 27 de março às 17:30 horas CET. 

Como foi que tudo começou para você? 

 width=Comecei com um curso de sommelier e também um curso de viticultura e enologia. Porém, quanto mais eu estudava, menos me sentia envolvida. Não ouvi uma só pessoa mencionar algo sobre sustentabilidade ou fermentação espontânea. Então comecei a procurar algo além destes cursos conversando com agricultores e pesquisadores na área da sustentabilidade. 

Então, em 2010, nós compramos um pedaço de terra e nos tornamos agricultores eprodutores de vinhos naturais. No início fizemos vinho com uvas compradas de outros agricultores orgânicos mas, em 2014, começamos nossa pequena produção própria: no primeiro ano apenas 300 garrafas produzidas com fermentação espontânea, sem conservantes ou filtração. Apesar de tudo, foi um sucesso: as pessoas comentavam sobre a pureza, a limpeza e as camadas aromáticas que se desprendiam no tempo. Era tudo que imaginava que um vinho natural deveria ser. 

Quais dificuldades teve que enfrentar como mulher vinicultora no brasil?

O simples fato de ser uma mulher me exclui de muitas coisas. O fato de defender com força a idéia do vinho natural e da produção sustentável, em um país que é um dos maiores usuários de pesticidas do mundo, significa que eu fiz alguns inimigos. Creio que os principais desafios para as mulheres, não apenas na produção de vinho, mas em muitas áreas, é ser ouvida, ser levada a sério. 

Há interesses políticos que freiam as mulheres: especialmente quando as mulheres defendem algo em que acreditam e sabem estar certas. Passados quase 10 anos a minha voz é ouvida no resto do mundo, mas é silenciada em minha própria região, no meu próprio país. Infelizmente, ainda temos que progredir muito: o Brasil não é um país seguro para os ambientalistas e muito menos para as mulheres ambientalistas. 

Que impacto a mudança climática tem na sua região, e como isso afeta a vinicultura? 

O impacto é sério e variado. A região onde vivo e trabalho está situada no sul do Brasil, a 850 metros acima do nível do mar, em um bioma denominado Mata Atlântica. Trata-se de uma floresta tropical, e um dos hotspots mais ameaçados do mundo para a biodiversidade. É também uma das únicas regiões do Brasil que tem estações bem definidas.  width=

Desde 2017, entretanto, houve uma rápida mudança no clima: nesse ano o inverno praticamente desapareceu; estavamos acostumados a ter temperaturas negativas e geadas diárias durante pelo menos dois meses ao ano. Essa falta de frio antecipou em mais de 20 dias o início da brotação da uva. A primavera daquele ano foi a mais chuvosa dos últimos 70 anos: essa chuva excessiva e a falta de luz solar causaram doenças nas videiras, e mesmo aqueles viticultores que conseguiram salvar as colheitas durante o verão ficaram arruinados mais tarde por tempestades de granizo que destruíram vinhedos inteiros. 

Após essa catástrofe de 2017, não houve um retorno à sazonalidade regular da região. Não há inverno, e a primavera é extremamente seca. A produção só é possível com pelo menos uma irrigação, e os verões nos trazem tempestades extremas, granizo e vento. Essas mudanças afetam o ciclo fenológico das videiras, e a seca corrói o solo. O mais impressionante é que isso não aconteceu gradualmente, permitindo que as espécies animais e vegetais se adaptassem, mas sim muito rapidamente. E está ficando pior. Enquanto escrevo, minha região atravessa uma onda de calor com temperaturas próximas a 50ºC: algo que nunca tinha acontecido antes. 

Você não se dedica apenas a fazer vinho mas também realiza pesquisas através do terroir ancestral.

Terroir Ancestral é um projeto de pesquisa sobre as primeiras castas implantadas na região: como se comportaram e se adaptaram aqui, como eram os vinhos e por quê algumas dessas castas deixaram de ser plantadas, quase ao ponto de desaparecerem por completo. O Brasil não tem nenhuma casta nativa e a questão é quanto tempo uma casta oriunda de outro lugar precisa para se adaptar aqui? O que é adaptação e por quê ela é necessária? 

A adaptação de uma videira começa com seu comportamento no campo, e depende de como a manejamos, da reação ao estresse, das variações climáticas, do excesso ou escassez de nutrientes no solo, da resiliência… E a cada ano novas variedades são trazidas para o Brasil com a promessa de maior produtividade, menor necessidade de manejo ou tratamento fitossanitário. Mas será assim tão simples? É claro que não. Nunca foi tão urgente como agora falar de adaptação na viticultura, e vemos todos os dias os resultados nas variedades antigas e bem adaptadas, cultivadas de forma sustentável que reagem diante das mudanças climáticas. 

Uma dessas variedades é a peverella… O que isso significa?

Tenho uma relação nostálgica com a peverella (um produto da Arca do Gosto); minha curiosidade foi despertada pela pesquisa que fizemos sobre ela como parte do Terroir Ancestral. Depois disso quis plantá-la, porque entre todas as variedades antigas a peverella era a que mais fazia sorrir aos enólogos mais velhos com quem falava… mas, cheguei tarde. Hoje restam um pouco mais de cinco hectares e ninguém lhe dá muita importância, como a tantas outras variedades esquecidas. Mas continuo acreditando que posso salvar essas variedades mais antigas e adaptadas para mitigação dos efeitos da mudança climática. 

Quais são suas esperanças para sua empresa, a vinha unna, e para a vinicultura brasileira em geral?

 width=A Vinha Unna já há algum tempo transformou-se em algo mais do que um projeto de vinificação natural. Tornou-se uma forma de resistência, uma experiência social, técnica e agroecológica… e uma razão para acreditar nas possibilidades que temos, e é assim que a vejo. Minhas esperanças para o futuro do vinho natural brasileiro estão na juventude; as novas gerações fazem muito mais perguntas, e isto é suficiente para acionar o motor da mudança. 

E para terminar… Por que você decidiu entrar para slow wine coalition? 

Trabalho com o Slow Food há sete anos e acredito na filosofia de trabalho em rede: uma enorme rede de pessoas conectadas por ideias. Bom, limpo e justo são palavras de grande peso e esse peso pode parecer insustentável se trabalhamos sozinhos mas deixa de sê-lo se somos uma rede. 

A Slow Wine Coalition está cheia de pessoas inspiradoras, enquanto o mundo do vinho fora dela é mais individualista, menos colaborativo e menos comprometido. Eu quero ver a Coligação se expandir e se tornar uma inspiração diante de nossos desafios sempre crescentes. O mundo está passando por grandes transformações e a maioria delas não são boas, então precisamos segurar as mãos uns dos outros e agir juntos se quisermos ter algum impacto positivo sério e duradouro. 

Junte-se a nós naconferência dedicada à paisagem vitícola e à sua proteção online às 18:00 Horas CET,  24 de março de 2022. 

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