FAO: fome aumenta. Mais uma vez, quem mais sofre é a África
24 Jul 2020
O número de pessoas que passam fome está crescendo: em 2019, atingiu 690 milhões, 8,9% da população mundial. É o que revela o relatório “O Estado da Segurança Alimentar e Nutricional do Mundo” (The State of Food Security and Nutrition in the World – SOFI) recém publicado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), que define a desnutrição como a condição de quem, durante um ano, não tem acesso a alimentos suficientes para satisfazer suas necessidades energéticas diárias mínimas.
Nas mais de 250 páginas do documento, são realmente poucos os dados que despertam um certo otimismo em relação ao ano anterior*. O número de pessoas que não tiveram acesso a alimentos suficientes teve um aumento de 10 milhões; em cinco anos, o aumento foi de 60 milhões de pessoas, quase equivalente à população de um país como a Itália.
Holofotes voltados para a África
De acordo com os dados publicados pela FAO, a situação mais dramática é a do continente africano, onde um em cada cinco habitantes passa fome (aproximadamente 250 milhões de pessoas, isto é, 19,1% do total, mais do que o dobro da média global).
“A grave crise alimentar da África é o resultado de uma série de fatores que devem ser enfrentados imediatamente, sem perda de tempo”, afirma o agrônomo ugandense Edie Mukiibi, membro do comitê executivo do Slow Food Internacional. “Para fazer isso, é preciso combater as injustiças sociais, econômicas e ambientais que causam pobreza e sofrimento em muitas comunidades africanas. Por outro lado, deve-se promover um mecanismo de subsistência que apoie as economias locais com atividades de pequena escala, além de iniciativas e inovações realizadas por mulheres e jovens agricultores. Na minha opinião, esta é a prioridade.”
A África é uma das prioridades do Slow Food há muito tempo: em 2010, lançou o projeto Hortas na África, que realizou 3.334 hortas em 35 países africanos até o momento. Hoje, a estratégia do Slow Food para a África se articula em uma série de iniciativas: promoção do consumo local, educação nas escolas, preservação da biodiversidade (com a Arca do Gosto e as Fortalezas Slow Food), valorização da gastronomia local, campanhas sobre alguns dos temas importantes que sempre estiveram no centro de nosso compromisso, como OGM, grilagem de terras e pesca sustentável.
As séries históricas do novo relatório da FAO revelam que o número de pessoas que sofrem de desnutrição na África aumentou em um ponto e meio percentual nos últimos cinco anos. As previsões para 2030 são ainda mais dramáticas: se esta tendência continuar, 25,7% das pessoas que vivem na África (433 milhões de pessoas da população total estimada em dez anos, cerca de 1,6 bilhões) não terá alimentos suficientes para garantir uma vida normal, ativa e saudável.
Voltando para a situação atual e para os dados em termos absolutos, a Ásia é a região do mundo onde vive a maioria das pessoas malnutridas (381 milhões, mas com uma porcentagem de 8,3% se comparada com o número de habitantes, inferior à média mundial de 8,9%). A explicação para esta contradição aparente é que a maioria da população da Terra vive na Ásia.
Covid-19 e fome no mundo: cem milhões de indivíduos em situação de risco
As análises citadas neste artigo, porém, não levam em conta os efeitos da pandemia da Covid-19: os dados coletados pela FAO referem-se a 2019, antes da propagação global do SARS-CoV-2. Os números definem a situação antes da pandemia: segundo a ONU, a crise sanitária que explodiu nos últimos meses está destinada a agravar a situação, com o risco de provocar uma situação de fome crônica para outras dezenas de milhões de pessoas, com estimativas que variam entre 83 e 132 milhões de pessoas, dependendo de cenários econômicos futuros.
A desnutrição não é o único indicador levado em consideração pelos autores do relatório: fala-se também de “insegurança alimentar”, um conceito mais abrangente que inclui os casos em que não há certeza de conseguir encontrar alimentos: somando os que vivem em situação de insegurança “grave” (são 750 milhões) e os que têm insegurança “moderada”, em 2019, dois bilhões de pessoas (pouco menos de 30% do total) não tiveram acesso regular a alimentos seguros, nutritivos e suficientes. Com certeza, nesse ritmo, o Objetivo Fome Zero (isto é, o plano lançado em 2015 pelo Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas com o intuito de acabar com a insegurança alimentar até 2030) não será alcançado. Pelo contrário, se a tendência atual continuar, em 2030 o número de pessoas desnutridas poderá ultrapassar 840 milhões, ou seja, 9,8% da população que se estima viverá no planeta daqui a dez anos.
No cenário apresentado no relatório da ONU, mais uma vez surgem graves desigualdades geográficas. Os dados relativos às crianças menores de cinco anos são emblemáticos: por um lado, o número assustador de crianças malnutridas (144 milhões, 21,3% do total em nível mundial), por outro, de crianças obesas (mais de 38 milhões, 5,6%).
A questão da qualidade da alimentação é fundamental, não apenas do acesso aos alimentos: o relatório afirma que “a insegurança alimentar pode piorar a qualidade dos alimentos consumidos e, consequentemente, aumentar o risco de várias formas de malnutrição, tanto desnutrição como obesidade”.
A educação alimentar é precisamente um dos dois pilares, com a defesa da biodiversidade, em que se baseia a missão do Slow Food pelo mundo: as escolhas de compra e consumo são um facilitador de mudança, mas exigem consciência.
* A edição 2020 do SOFI abre com uma nota: desde sua última publicação, no ano passado, foram coletados novos dados que levaram a uma revisão das situações de 13 países, incluindo a China. Esses dados levaram a reduzir as estimativas das pessoas que passam fome no mundo. Apesar disso, a tendência indicada nas edições anteriores deste relatório continua válida: a partir de 2014, o número de pessoas que passam fome no mundo continua crescendo lentamente.
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