Brasil: dois tipos de agricultura
25 Mai 2016
A partir de 12 de maio, o Brasil tem um novo Ministro da Agricultura interino, Blairo Borges Maggi, nascido em 1956, formado em agronomia, que já foi senador pelo estado do Mato Grosso. Para continuar o próprio percurso, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) escolheu uma pessoa extremamente envolvida no mundo da agricultura e da economia de seu país: Maggi é conhecido como “o rei da soja”, por ser, a sua empresa – o Grupo Amaggi – a maior produtora de soja do Brasil.
Falar de soja, no Brasil e não só, implique que se fale de cultivos transgênicos. Segundo os dados coletados pelo International Service for the Acquisition of Agri-biotech Applications (Isaaa), em 2014, havia 29,1 milhões de hectares de solo nacional cultivados com soja GM, uma parte consistente dos 42,2 milhões de solo cultivado com transgênicos (além da soja há o milho, com 12,5 milhões de hectares, e o algodão, com 0,6 milhões de hectares: 89,2% dos cultivos de soja, milho e algodão são transgênicos). Os cultivos OGM, em 2014, chegaram a um total de 42,2 milhões de hectares, colocando o Brasil em segundo lugar entre os produtores mundiais, sendo os Estados Unidos em primeiro. Estamos falando de cultivos realizados em grandes latifúndios, destinados, em grande medida, à produção de ração animal ou de agrocombustíveis, e não para alimentação humana.
Mas apesar das monoculturas, dos enormes latifúndios e da importância cada vez maior dos cultivos transgênicos, o Brasil é também o país com a maior biodiversidade do mundo, com mais de 3000 espécies de plantas comestíveis, um número incalculável de cogumelos e muitas espécies animais, apesar das poucas raças autóctones oficialmente reconhecidas. Para dar um exemplo: a Arca do Gosto, que reúne as variedades vegetais, as raças animais e os produtos artesanais em risco de extinção, conta, no Brasil, com aproximadamente 80 produtos (e 150 estão em fase de avaliação), do abacaxi pequeno, uma variedade de abacaxi pertencente à família das Bromeliacee , de tamanho menor e sabor um pouco mais azedo em relação ao abacaxi comum; ao waraná nativo dos Sateré Mawé, uma fruta com sementes ricas em guaranina, substância que ajuda a combater o cansaço e que estimula a função cognitiva e a memória. Esses produtos, com inúmeros outros produtos preservados e promovidos pela agricultura familiar, garantem a soberania alimentar das comunidades locais.
Só no Brasil, a agricultura familiar chega a produzir 70% dos alimentos que, diariamente, chegam às mesas de quase 200 milhões de pessoas. Tal produção de alimentos saudáveis e de qualidade vem de 4,3 milhões de pequenas explorações familiares e, ainda que ocupando apenas 24% da superfície total das empresas rurais e das criações, produz 37% da produção agrícola e pecuária brasileira, dando trabalho a 13,8 milhões de pessoas, ou seja a 77% da população que trabalha em agricultura.
Tal sucesso se deve também às politicas implementadas por um governo que, na última década, considerou a agricultura familiar uma estratégia de segurança alimentar, de redução da pobreza e das desigualdades, de inclusão e mobilidade social e de promoção do desenvolvimento territorial nas regiões rurais. Isso foi suportado por políticas visionárias, fazendo com que a experiência brasileira se tornasse uma referência para outros governos latino-americanos e organismos de cooperação nacional.
Nas últimas semanas, porém, no Brasil aconteceram grandes transformações políticas, entre elas houve a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário (Mda), que havia sido criado em 1999 com o objetivo de promover a reforma agraria, a regularização fundiária, o desenvolvimento territorial e a agricultura familiar, que hoje foi reunido no novo Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (Mdsa), presidido por Osmar Terra.
Estas transformações levantam alguns questionamentos, por exemplo: como poderão dialogar esses dois sistemas agrícolas, econômicos e políticos? “Precisamos ver, agora, a direção que tomará o atual governo interino, e como dará continuidade aos resultados de uma década de políticas que levaram o Brasil fora do mapa mundial da fome e da pobreza, reconhecendo à agricultura familiar um papel de protagonista no desenvolvimento territorial e na valorização da cultura alimentar”, afirma Valentina Bianco, responsável do Slow Food para a América do Sul. Georges Schnyder, Presidente do Slow Food Brasil, conclui: “Um governo interino pode acabar com políticas públicas, programas e ações em favor da agricultura familiar que há mais de uma década caracterizam o país, tornando-o modelo em nível internacional?”.
por Silvia Ceriani
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