As rainhas do mar: Mulheres no mundo da pesca

08 Nov 2018

 width=Sabine Teryngel nos envia um relato interessante do fórum “As rainhas do mar: Mulheres no mundo da pesca” realizado durante o Terra Madre Salone del Gusto 2018 na área Slow Fish

Tradicionalmente, a pesca sempre foi uma atividade masculina – ou pelo menos, assim é considerada – mas as mulheres desempenham um papel fundamental em muitas culturas locais. Nesse fórum, nove mulheres (pesadoras, peixeiras, processadoras, cozinheiras, etc.) reuniram-se para falar de seu trabalho, seus conhecimentos e suas experiências no mundo da pesca, um mundo aparentemente dominado pelos homens. Claudia Orlandini, da plataforma LIFE (Low Impact Fishers of Europe) foi a moderadora do evento.

Ernestina António Chipita, de Angola, começou a pescar com 16 anos. Hoje ela é a diretora executiva da cooperativa Centro de Salga e Seca de Apoio às Mulheres Processadoras. Ernestina diz que o maior desafio que ela encontra em seu trabalho é justamente o fato de ser mulher e que, quando a sua associação de mulheres foi fundada, a maioria dos homens duvidava que ela e suas colegas conseguiriam lidar com o trabalho. A realidade, na comunidade de Ernestina, é que a maioria das mulheres desempenham um papel importante, apoiando o trabalho dos homens, mas muitas vezes os homens não reconhecem ou valorizam esse papel. Ernestina luta pelas mulheres e pelos direitos das mulheres, reunindo-as em redes comunitárias.

Akeisha Clarke, da ilha da Pequena Martinica, no Caribe, é pescadora, camponesa e ativista, além de ser presidente da Petite Martinique Women in Action. Em sua comunidade, a ideia é que a mulher apenas desempenha o papel de mãe e dona de casa. Mas Akeisha afirma que: “somos muito mais do que isso.” De fato, as mulheres são as que tomam as decisões importantes, dentro da família e das comunidades. Entre as questões tratadas por Akeisha, há a pesca sustentável, o desmatamento e a poluição dos recifes. Avanços são possíveis, mas difíceis, porque os homens da comunidade, que muitas vezes continuam utilizando práticas ineficientes ou prejudiciais, são aqueles que fazem as regras. Akeisha diz que: “nós, as mulheres, precisamos romper esse paradigma, somos fortes, podemos e iremos conseguir!”.

Jucilene Viana Jovelino, do Brasil, falou do trabalho que ela desempenha como coletora de ostra-de-mangue, professora e coordenadora da Comunidade do Alimento da Ostra do Reconcavo Baiano, da comunidade quilombola Kaonge, Bahia. Para Jucilene, o mar representa sustentabilidade. No passado, muitos coletores de ostras morreram, devido às condições duras de vida e trabalho. Jucilene está tentando melhorar essas condições: “somos nós os responsáveis por nossas comunidades, não pode ser alguém de fora que aprendeu mais sobre aquilo que temos”, afirma Jucilene. Em seu trabalho como professora, e através das atividades no centro de mulheres (onde se reúnem as mulheres que trabalham com pesca, agricultura e outras atividades), ela vê uma melhora no papel da mulher. As mulheres já conseguem ganhar do que viver com seu trabalho, mas a luta para que sua voz seja ouvida continua.

Aurizania Delgado Monteiro, de Cabo Verde, é uma pescadora e processadora, ela trabalha no mercado de peixe local. Aurizania foi a primeira pessoa da sua família que começou a trabalhar no setor da pesca. Muito cedo, em sua carreira, aprendeu que as mulheres devem enfrentar muitas dificuldades se quiserem trabalhar no mercado. Por exemplo, às vezes as mulheres falam apenas os dialetos locais e não conhecem o português, e a falta de alfabetização as coloca numa situação desfavorecida. Além de trabalhar como vendedora no mercado de peixe, Aurizania também trabalha com as mulheres da comunidade, ajudando-as para descobrir e expressar as suas potencialidades. Muitos homens – sobretudo os mais velhos – não a levam a sério, mas ela continua trabalhando com grande entusiasmo. Atualmente, Aurizania não tem muita ajuda: “Talvez eu precise de outra pessoa para me ajudar, mas haveria ainda assim grandes preconceitos”.

Adelaida Lim Pérez, das Filipinas, é chef e ativista alimentar. Ela é proprietária do restaurante no qual trabalha. É distante do mar, mas a ideia era criar um espaço onde as pessoas pudessem se reunir para alimentar corpo e alma. “Comer é uma escolha política”, diz Adelaida e por isso, em seu restaurante, são servidos apenas alimentos frescos, naturais e locais. Com seu trabalho, Adelaida pretende preservar um molho de peixe tradicional das Filipinas, e acha que é muito importante comprometer-se numa atividade que deixa as pessoas felizes.

 width=Hasanah Kehmasaw, da Fisherfolk Social Enterprise da Tailândia, trabalha para construir uma rede de comércio de pescadores, defendendo os direitos dos pescadores de pequena escala em seu país. A rede ajuda os pequenos produtores a valorizar seus produtos e a melhorar suas fontes de renda.

Jessica de Francesco, a mais jovem das participantes do Fórum, vem da Argentina, onde mergulha para pescar mariscos – ela é a única mulher mergulhadora de sua comunidade (outras mulheres coletam mariscos na praia). Toda sua família sempre trabalhou com a pesca, e seus irmãos lhe ensinaram a mergulhar. No entanto, eles foram à procura de outro emprego, melhor pago: muitas vezes os homens vão trabalhar com a pesca industrial, porque ganham melhor, mas todos querem voltar a fazer aquilo que mais gostavam. Jessica também quer fazer o trabalho que ela ama, por isso ela criou uma comunidade onde as pessoas podem se reunir para conversar e organizar suas atividades. Para melhorar a situação econômica, deveriam ser utilizadas mais espécies e haveria a necessidade de criar uma cooperativa. As pessoas locais estão felizes por Jessica ter assumindo mais responsabilidades, ela conta com o apoio de toda a comunidade, de sua família e de seus amigos. Ela declara que “o futuro depende das ações, não das palavras”.

Alice Miller é pesquisadora e diretora da IPNL (International Pole and Line Foundation), uma ONG do Reino Unido. O trabalho de Alice é verificar que a visão e as necessidades das mulheres sejam levadas em conta nas diretrizes, políticas, etc. A sustentabilidade não tem a ver apenas com o meio ambiente, as questões sociais também devem ser consideradas.

Esse Fórum deixou claro que igualdade de gêneros continua sendo uma questão fundamental no setor da pesca. As mulheres lutam e trabalham não apenas por elas, mas por suas comunidades. Sempre desempenharam um papel importante, e seu trabalho deve ser respeitado. Hilda Adams, uma pescadora da África do Sul, reiterou que, para uma gestão sustentável dos mares, todos os membros da comunidade devem ser empoderados. Ela destacou o espírito resiliente de todas as mulheres que participaram da mesa redonda, quando disse: “Não há outro lugar onde eu queira estar, quero estar apenas no meio da minha comunidade de pequenos pescadores!”. A luta continua, mas há muitos exemplos positivos de empoderamento a partir dos quais podemos aprender, inclusive dos exemplos apresentados pelas mulheres que participaram desse Fórum.

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