Rumo a uma nova revolução alimentar

12 Nov 2018

Como aos pés de uma montanha intransponível, consumidores fatalistas gostam de pensar que a mudança climática é, no fundo, apenas uma questão técnica: “No nosso nível,” pensam, “a única coisa que podemos fazer é cruzar os dedos”. Nada poderia estar mais longe da verdade!

A campanha #FoodforChange e Indaco, uma spin-offda Universidade de Siena, na Itália, provaram que comparando uma alimentação pouco saudável, baseada em alimentos processados e proteínas animais de criações industriais, a uma alimentação baseada em produtos das Fortalezas Slow Food e outras cadeias de produção sustentáveis, os benefícios ambientais, sociais e econômicos da segunda são claramente significativos.

Aqui estão quatro exemplos: na Áustria, a pegada de carbono da produção leiteira de Martin Unterweger é 31% inferior à produção de leite industrial, graças às pastagens perenes, ausência de silagem, fertilização com esterco, energia renovável e cadeia curta de distribuição. A compra de leite de vacas alimentadas com feno evita a emissão de 190 toneladas de CO2por ano, equivalente às emissões de um carro percorrendo 46.000 km! A produção de queijo do leite de 24 vacas da fazenda de Livio Garbaccio, em Varallo, na região do Piemonte, na Itália, emite 83% menos CO2do que uma produção industrial equivalente, o equivalente às emissões de um carro ao longo de 154,000 km! Na Dinamarca, Verner Andersen produz 76 toneladas de maçãs biodinâmicas por ano, num pomar com variedades tradicionais, produzindo 81% menos CO2do que seria emitido pelo cultivo intensivo de maçãs! Por fim, a produção de queijo Vastedda, de leite de ovelhas do Valle del Belice, na fazenda de Liborio Cucchiara, em Belice, na Sicília, emite 60% menos CO2do que a produção de queijo industrial.

As práticas que formam a base dessas histórias de sucesso na preservação da biodiversidade, incluem o uso de raças locais de grande produtividade, processos artesanais de fabricação, economia de insumos, uso de palha para sequestro de nitrogênio, uso de água de escoamento superficial, ausência de soja, polinização por abelhas, uso de aparas de madeira para aquecer água, colheita manual e venda direta em caixas recicláveis. Mas isso não é tudo: essas Fortalezas e as práticas sustentáveis também são excelentes para a saúde. Comer mais vegetais; mais leguminosas e raízes do que cereais; mais frutas do que doces; menos gorduras e açúcares; e menos aditivos evitam a emissão anual de CO2, por pessoa, equivalente à produzida por um carro numa viagem de mais de 3.000 km.

Esse números mostram cientificamente que não há razão para não acelerar a transição agrícola. Quando veremos os europeus atacando a Comissão, os Estados ou as instituições por falhas graves em termos de saúde e segurança alimentar de seus cidadãos?

Este estudo demonstra claramente que se a maioria da população consumir produtos com impacto ambiental menor, tudo pode mudar; e que os produtos que respeitam mais o meio ambiente fazem bem à saúde. Sabemos que prestar atenção à qualidade sensorial e ambiental daquilo que comemos pode contribuir significativamente para a luta contra a mudança climática. Já sabemos que o consumo de carne precisa diminuir à medida que aumenta a população mundial. O atual consumo semanal médio de carne na Europa de 1.55 kg por pessoa, já é o triplo do recomendado pelos nutricionistas. Cada vez mais pesquisadores relatam que os produtos mais perigosos, mesmo quando consumidos apenas ocasionalmente, tem efeitos danosos de longo prazo. Mesmo exceções semanais à regra já são demais.

Mais do que nunca, a alimentação é uma questão política. Precisamos encorajar as comunidades locais a implementar sistemas alimentares regionais. O trabalho de François Collart-Dutilleul, advogado de Nantes, sobre a democracia alimentar local, sugere soluções radicais mas fáceis de implementar: pais, estudantes, pacientes, idosos e trabalhadores devem ser capazes de influenciar as compras nos refeitórios de escolas, universidades, hospitais, casas geriátricas e locais de trabalho. Em cidades pequenas e subúrbios com menos serviços, é preciso expandir os mercados do produtor. Como em Saint-Denis e em algumas comunidades pioneiras, os prefeitos devem proteger terras e organizar a formação de horticultores. Autoridades locais devem encorajar serviços de alimentação a promover produtos saudáveis.

O estudo conduzido pelo Slow Food e financiado pela União Europeia é um marco histórico importante no debate sobre o futuro do alimento.

É prova da importância das ações dos cidadãos em favor de uma alimentação sustentável. Durante a revolução alimentar anterior, que viu o surgimento do restaurante na França no final do século 18, e inspirou o genial Brillat-Savarin, teórico da gastronomia como uma ciência total, a transformação dos sistemas alimentares tornou possível, em países ricos, a erradicação da fome. Hoje, devemos por fim ao escândalo da fome no Sul do mundo, mudando a forma de comer no Norte. A mudança climática nos dá a oportunidade de dar vida à essa nova revolução. O futuro da humanidade depende da solidariedade global.

 

*Presidente do Slow Food
**Pesquisador do CNRS e da Universidade da Sorbonne, autor do Atlas de l’alimentation(CNRS Editions)

 

O Slow Food está trabalhando com produtores para calcular e reduzir o impacto da produção alimentar no meio ambiente. Saiba mais sobre como foi avaliado o impacto

 

 

 

Publicado no jornal Libération, 9 de novembro de 2018

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